O preto e branco sobrevive


Muitas pessoas sempre dizem detestar um determinado tipo de filme. Alguns gêneros são apontados como muito violentos ou simplesmente chatos.


Entre eles, é recorrente indivíduos dizerem não gostar de filmes em preto-e-branco. Obviamente, quem se encontra nessa categoria tem uma justificativa, a qual eu não consigo compreender, apesar de respeitar a opinião.

O engraçado é perceber que várias dessas pessoas se caracterizam como cinéfilas e muitas vezes de fato o são. Mas a ironia está na seguinte situação: ao não gostarem de assistir a filmes em preto & branco, e por isso vêm pouquíssimas produções assim, deixam de apreciar filmes maravilhosos e essenciais a qualquer interessado em cinema. Como deixar de ver e rever Cidadão Kane, clássico de Orson Welles que representou uma revolução na forma de fazer filmes e frequentemente citado como o melhor da história? Ou ainda, não se envolver com a bela história de amor em plena Segunda Guerra Mundial mostrada no inesquecível Casablanca? Ou simplesmente não se divertir ao assistir aos curtas dos Três Patetas? Não gostar é uma coisa. Outra completamente diferente é utilizar como argumentação o fato de serem em preto & branco.

Principalmente durante os anos 80 e parte da década de 90, tornou-se muito popular o processo de colorização. Este consistia em inserir cores, por meio de computadores, em filmes e seriados antigos em preto & branco. Foi uma tentativa de atrair a parcela do público que não gostava de ver filmes "sem cores", podendo os estúdios vender mais direitos de reprises e, na época, talvez até mais VHS. Felizmente a onda de colorização passou. O sucesso esperado não veio. E percebeu-se logo que estavam deliberadamente interferindo em obras cujos diretores e produtores pensaram originalmente para ser em preto & branco, mesmo que por força da tecnologia existente na época em que foram realizadas.

Comparação entre as versões colorizada e original do curta Beer Barrel Polecats, dos Três Patetas.

Nesse aspecto, é importante também voltar um pouco no tempo. Até a década de 1930, praticamente todos os filmes eram filmados em preto & branco. Porém, o interesse em exibir imagens em cores já despertava o interesse de muitos desde o surgimento do cinema. Ainda no final do século XIX, algumas sequências filmadas chegavam a ser pintadas a mão. Esse caro e demorado processo continuou a ser realizado, sempre de forma extremamente limitada, nos anos seguintes. Nas décadas posteriores, novos processos para dar cores aos filmes foram desenvolvidas, como sistemas de duas e três cores. Ao longo da década de 1920, cada vez mais passou-se a produzir filmes coloridos, mas a tecnologia e uso somente se consolidaram nos anos 1930.

Logo, o Technicolor se tornou um dos sistemas de cores mais populares, maravilhando os espectadores de todo o mundo com cores fortes e vibrantes. Seu período áureo, que perdurou até a década de 1960, marcou gerações. Claro que não poderia ser diferente. Após um início preto & branco, finalmente as pessoas poderiam ver as histórias apresentadas no cinema de uma maneira mais semelhante ao real. O mesmo ocorreu com a televisão. Por um tempo, o cinema tentou segurar o avanço da popularidade do "caixote de imagens" produzindo filmes com imagens enormes, incríveis, de cores fortes. Porém, logo a televisão também passou a ter cores, e novos diferenciais tiveram de ser buscados.


Aos poucos, já no final da década de 1960, o preto & branco foi deixado de lado, sendo considerado obsoleto. Mas sobreviveu de duas formas. A primeira, por cineastas que, devidos aos recursos financeiros escassos, continuaram a utilizar câmeras antigas ou mais baratas que não filmavam em cores. O segundo, foi a transformação do preto & branco em elemento estético, um objeto de arte, utilizado por diretores que queriam não apenas ir contra a tendência da época, transgredir, mas também tornar a não existência de cores em um personagem da história, com a função de ajudar a contá-la.

Desde essa época, então, vários filmes foram filmados inteiramente em preto-e-branco. Muitos dos quais acabaram sendo muito elogiados e fazendo grande sucesso com o público. Vale a pena citar A última sessão de cinema (1971), de Peter Bogdanovich; O jovem Frankenstein (1974), de Mel Brooks; Eraserhead (1977) e O homem elefante (1980), ambos de David Lynch; Manhattan (1979), de Woody Allen; Ed Wood (1994), de Tim Burton; O balconista (1994), de Kevin Smith; Boa noite e boa sorte (2005), de George Clooney e A fita branca (2009), de Michael Haneke. Isso sem contar dezenas de produções que utilizaram tanto cores como o preto & branco, como é o caso de Touro indomável (1980), de Martin Scorcese, A lista de Schindler (1993), de Steven Spielberg; e do recente Tetro (2009), de Francis Ford Coppola.


As platéias atuais preferem filmes coloridos, ainda que utilizem de uma fotografia singular, tons pálidos e uma série de outros elementos. Se for em 3D, ainda melhor. Realmente, o bom e velho preto & branco acabou relegado aos filmes considerados de arte. Dificilmente um grande estúdio se arrisca em lançar um blockbuster assim, pois sabe que as bilheterias serão baixas. Mas não é porque a maior parte do público não gosta do preto & branco que ele deve ser desvalorizado, esquecido, abandonado. Pelo contrário. É preciso mostrar que o cinema não se restringe aos grandes astros, aos efeitos especiais e ao 3D. Há muito mais para ser apreciado, se possui uma mente aberta para filmes diferentes daquilo que se está acostumado a ver.

Reitero que respeito o posicionamento daqueles que continuam a não gostar de assistir algo em preto & branco. Venho por meio deste texto apenas apresentar argumentos que tentam mostrar os motivos pelos quais não se deveria deixar de assistir a um filme simplesmente por ser assim. Há algo maior do que as cores, e o preto & branco pode ter um importante papel. Ele ainda não morreu, sobrevive, apoiado por aqueles que sabem que ele possui o seu valor, o seu mérito, a sua beleza.

Vídeos:

Famosa cena do filme Manhattan (1979), de Woody Allen, na ponte Queensboro, em Nova York. (sem legendas).



Trailer do filme Casablanca (legendado).



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Comentários (5)

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Um dos meus filmes preferidos é Control que é em p&b, e quem não gosta de p&b realmente está perdendo.
Há os que conseguem ler um poema e entendê-lo; e há os que preferem um livro com figuras.
Há os que conseguem ler um poema e entendê-lo; e há os que preferem um livro com figuras.
eu adorei!
Excelente texto.
O público com o passar do tempo perdeu ou nunca até mesmo obteve a correta visão do que é a arte cênica, a qual em si mesma assegura ou não a sua beleza.
Ocorre que as cores dadas em modo simples (pb) ou em modo mais avançado (em cores) podem dar certos realces qualificativos no que se trata do externo das cenas, no realce das mesmas.
Porém importa vermos que a atuação dos que integram uma obra é o que realmente mostrará ou não a sua qualidade.

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